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A MARCA DA MALDIÇÃO

  _ Mais um dia, mais uma tarefa de merda!

  Resmungou Kael, os olhos rubros se revirando em confian?a. Seus músculos se contraíram em uma careta de puro desgosto, as linhas tensas acentuavam a beleza andrógina de seu rosto.

  _ Outra miss?o de reconhecimento? Fala sério… Aquele velhote me envia pra cada furada. E pra piorar, ainda tenho que cuidar desses dois…gênios. Se perdeu de novo, apóstolo! N?o sei o que é pior, o trabalho ou esses dois.

  Bufou, ou está escapando por suas narinas em uma lufada quente de pura exaust?o. Uma ideia simples de ter que procurar por aqueles dois já o deixaram à beira do acidente. Uma veia pulsava em sua testa pálida, denunciando o aborrecimento crescente.

  _ Isso é t?o emocionante quanto assistir à grama crescer, ou ouvir meu pai se gabar sobre sua ascens?o ao reino de Faol. Aquela história é mais velha que a própria Terra.

  Concluiu, arrastando os pés sem pressa pela trilha estreita de terra batida que serpenteava pregui?osamente para fora dos limites de uma aldeia pacata qualquer, ladeada por extensos campos de batatas e cevada que se estendiam até onde a vista alcan?ava. Os gr?os dourados da cevada balan?avam suavemente sob a brisa fresca da tarde de outono, sussurrando segredos ao vento.

  Entre os campos, alde?es curvados, rostos marcados pelo sol inclemente, labutavam na colheita, o suor oferece umedecendo as vestes surradas. Os chalés de madeira escura, com seus telhados pontiagudos cobertos por um manto verde musgo e chaminés de metal retorcido que soltavam espirais de fuma?a sob a luz dourada que come?ava a se inclinar, criavam uma vis?o familiar e tediosa para Kael Faolan.

  Seus ombros tensos carregavam um peso profundo, invisível, mas palpável, e seus dedos tamborilavam nervosamente nos bolsos do sobretudo negro, uma tentativa frustrada de invocar o deus do entretenimento em um lugar onde o tempo parecia ter parado.

  N?o ar carregava uma sutil mistura de aromas que lhe eram intrínsecos: o cheiro terroso da planta??o úmida, o acre da fuma?a das lareiras e o leve odor dos animais que retornavam para o aconchego dos pastos distantes.

  _ Eu n?o recomendaria você entrar aí a essa hora… Já vou escurecer.

  Uma voz rouca e investimentos de preocupa??o, como a de uma árvore antiga sussurrando um aviso, interrompeu seus pensamentos de Kael. No entanto, ele sequer se dignou a lan?ar um olhar para o lado, absorto em seu próprio descontentamento.

  O homem, parado à beira da mata, era alto e corpulento, com uma barba ruiva e farta que lhe emoldurava o rosto curtido pelo sol e marcado pelas agruras do tempo. Seus bra?os e pernas musculosos, visíveis sob a camisa de l? surrada, denunciavam uma vida dedicada ao trabalho árduo e incessante. Um machado de lamina afiada estava firmemente preso ao seu cinto de couro desgastado, e um considerável feixe de lenha repousava sobre suas costas largas, curvando-o ligeiramente sob o peso. Apesar do fardo, o homem parecia se mover com uma agilidade surpreendente para seu porte. Kael o ignorou completamente, como se ele fosse uma mera miragem, uma figura espectral em sua paisagem de tédio.

  _ Ei, garoto, você me ouviu? Ga-ro…

  O homem parou abruptamente, seus olhos arregalados e fixos nas costas de Kael que se distanciava, como se tivesse avistado um fantasma à luz do dia. Sua boca se abriu e fechou algumas vezes, como um peixe ofegante fora d'água, antes que algumas palavras hesitantes e carregadas de um medo palpável escapassem de sua garganta seca e contraída.

  _ N?o pode ser. A… A besta… A besta de olhos vermelhos…

  Murmurou, a voz quase um sussurro trêmulo e assustado, enquanto os feixes de lenha escorregavam de seus ombros cansados e caíam com um baque surdo no ch?o batido da floresta.

  Kael podia sentir o peso opressor dos olhares curiosos e hostis dos alde?es que come?avam a surgir nas portas de suas casas humildes ou paravam seus afazeres nos campos, ainda com ferramentas inertes em suas m?os calejadas.

  _ Olhem… é, é ele mesmo!

  _ Vá embora aberra??o! N?o te queremos aqui!

  Sussurros carregados de um medo ancestral, supersticioso e cego flutuavam no ar outonal, alcan?ando seus ouvidos agu?ados como flechas envenenadas. Alguns, embriagados por sua intolerancia arraigada, apontavam dedos acusadores em sua dire??o, seus rostos contorcidos em uma máscara de repulsa e apreens?o, a ignorancia pintada em cada vinco de suas faces.

  _ O amaldi?oado vai trazer a desgra?a para nós!

  Sibilou uma mulher magra, o rosto marcado por rugas profundas como cicatrizes de uma vida sofrida, antes de se apressar a entrar em sua casa antiga, a porta rangendo em seus gonzos enferrujados, batendo com um estrondo seco que ecoou pela pequena distancia, o trinco de um ferrolho enferrujado correndo com um som metálico que gritava medo.

  "Eu posso ouvir vocês, idiotas!" Kael pensou, um escárnio amargo dan?ando em seus lábios por uma fra??o de segundo, mas seus olhos permaneceram permaneceram fixas na trilha estreita que se tornava cada vez mais sombria, engolida pelo abra?o da densa mata que se fechava ao seu redor. Ele já estava t?o acostumado com a desconfian?a e os comentários maldosos que eles mal conseguiam penetrar a grossa coura?a de seu descontentamento, as palavras escorrendo por ele como água em pedra.

  _ Aquele velho gagá me mandou para esse buraco esquecido pelos deuses só para me tirar do caminho…

  Ruminou Kael, continuando sua marcha pesada, arrastando os coturnos pretos desgastados com um cansa?o fingido, ruma a floresta inóspita adentro. O sol mal conseguia trespassar a densa copa das árvores centenárias, e o ar se tornava mais úmido e frio a cada passo hesitante. Um lugar que se tornava mais sinistro a cada instante, com árvores secas e retorcidas, contrastavam com outras gigantescas como Carvalhos seculares e muitos Pinheiros imponentes, um lugar onde até os guerreiros mais valentes hesitariam em se aventurar.

  _ Será que ele acredita mesmo nessa besteira de profecia? Naquela história ridícula sobre olhos vermelhos trazer discórdia e o caos ao reino de Faol?

  Um amargo ressentimento borbulhou em seu peito.

  _ Mas uma coisa eu tenho certeza, a dupla dinamica: Cérebro e Músculos devem estar rindo agora, felizes por me ver sempre longe, fazendo essas coisas inúteis.

  Só de lembrar nesses dois, um embrulho de repulsa lhe subia pelo est?mago, a bile amarga lhe queimando a garganta. A maneira como o olhavam, com aquele misto de desdém frio e escárnio zombeteiro... era insuportável, uma afronta silenciosa. Seus lábios se contraíram em uma linha fina e mandíbula travada, mastigando raiva, como se estivesse prestes a morder alguém.

  _ O que Conan viu nessa megera afinal? Deve ter feito uma aposta com algum dem?nio e perdeu. Se Astrid pegar numa vassoura, ela pode sair voando para longe. N?o que isso fosse uma má ideia…

  Kael permitiu-se um sorriso rápido e quase imperceptível, a imagem fugaz o divertindo por um instante.

  _ Ela é t?o fria, que deve ter congelado o cérebro de Thorian na gesta??o. Nem parece meu meio-irm?o, o sangue real diluído em pura estupidez. Pelo menos agora ele tem uma boa desculpa para tanta burrice…

  Um pequeno riso seco escapou de seus lábios, quase um bufo.

  _ Se eu contasse essa piada pro Thorian, aposto que n?o se zangaria. Provavelmente acha que 'piada' é algum tipo de petisco novo que a mam?e cora??o de pedra comprou.

  Kael balan?ou a cabe?a levemente, um brilho divertido, embora breve, cruzando seus olhos.

  O ar úmido e frio penetrava em seus ossos como agulhas geladas, fazendo-o se encolher sob a grossa l?-batida do sobretudo. O cheiro inconfundível de terra molhada, folhas em decomposi??o e pinheiros resinosos invadia suas narinas, despertando memórias ancestrais e sensa??es primitivas que ele preferia ignorar com um aceno de desprezo.

  O vento outonal uivava entre as árvores esqueléticas, sussurrando segredos inaudíveis em uma língua esquecida pelo tempo. A cada passo hesitante, a floresta se tornava mais densa e escura, um labirinto verde prestes a prendê-lo em um abra?o sombrio e úmido. Mas isso, estranhamente, n?o o preocupava em absoluto. Mas isso... a escurid?o, de alguma forma, lhe era familiar, quase acolhedora.

  O farfalhar das folhas secas sob seus pés pesados, o coaxar lúgubre de r?s escondidas na vegeta??o rasteira e o canto distante e melancólico de um corvo solitário ecoavam na mata silenciosa, tecendo uma tape?aria sonora fantasmagórica que intensificava seus sentimentos de completo isolamento e profunda desorienta??o. Era uma sensa??o fria quase familiar, o mesmo vazio constante que o assombrava em Faol, mesmo no meio da multid?o...

  O ar rarefeito das montanhas parecia pesar sobre seu peito, quase sufocando-o com sua umidade fria. O rapaz parou abruptamente, como se uma barreira invisível o tivesse atingido, cortando-lhe a respira??o. Seus olhos arregalaram-se, n?o de medo, mas de uma fúria crescente.

  _ Espera aí... E se eu me perder também?

  Cogitou, a voz carregada de uma irrita??o cortante.

  _ Eu pare?o um c?o farejador?

  Se perguntou com amargura.

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  Ele varreu o olhar pelas copas cerradas, buscando desesperadamente por um vislumbre do sol, mas o céu parecia impenetrável.

  _ Me sinto como um rato de laboratório, andando em círculos sem fim. E isso n?o é um bom sinal.

  Concluiu Kael.

  _ Ele me manda pra esse fim de mundo e espera que eu volte com informa??es importantes... Que piada!

  Um riso seco e sem humor escapou de seus lábios.

  _ AHHHH!!

  Um grito primal de pura raiva, selvagem e desesperado, rasgou o silêncio da selva, assustando os pássaros que al?aram voo em um frenesi de asas em dire??o ao céu plúmbeo e despertando ecos adormecidos entre as árvores, as notas de sua fúria reverberando pela mata. Seus dedos fincaram-se com for?a em seus cabelos negros e rebeldes, apertando o couro cabeludo como se tentassem, à for?a bruta, arrancar a confus?o e a fúria que lhe toldavam a mente como uma névoa densa. A press?o em sua cabe?a latejava em sincronia com seu cora??o acelerado, quase como se a fera interior aprisionada estivesse tentando romper as barreiras de sua humanidade.

  _ Calma, Kael! Respira fundo, seu idiota!

  Disse para si mesmo com um resmungo, tentando acalmar a agita??o selvagem que fervilhava em seu sangue amaldi?oado, a mesma for?a sombria que o impelia a se transformar, um impulso quase incontrolável que lhe retorcia as entranhas.

  _ Certo… Agora se concentra! Acho que já passei por aqui antes... Ou já t? enlouquecendo?

  Ele olhou ao redor com olhos arregalados, tentando desesperadamente se orientar naquela confus?o verde, mas só encontrou a repeti??o monótona de mais árvores e mais sombras alongadas, uma sensa??o inquietante de déjà vu constante que lhe embrulhava o est?mago.

  _ é, agora é oficial, eu definitivamente t? perdido também. Que maravilha! Exatamente como planejado!

  Concluiu com um tom amargo tingindo sua voz, enquanto estendia os bra?os no ar úmido e os deixava cair sobre o corpo em desanimo, entregando-se a uma apatia momentanea que lhe toldava os sentidos. Seus ombros caíram em derrota, o peso da frustra??o esmagando sua postura altiva. Ele suspirou, um som derrotado que se perdeu na vastid?o da floresta silenciosa.

  _ ótimo, era só o que me faltava! Mais um motivo pro Coroa agir como se eu fosse um completo idiota inútil, e me dar outro serm?o interminável sobre responsabilidade e minha total falta de aten??o… como se ele realmente se importasse com alguma coisa além do trono.

  Sua respira??o ficou ofegante, e a fuma?a quente de seu hálito saía de sua boca em baforadas rápidas, como se ele fumasse em um cigarro imaginário feito de pura frustra??o.

  _ Que droga de miss?o, Conan! Quer me ver sofrer até a alma, n?o é?

  Ele refletiu com amargura crescente, o ressentimento em rela??o ao pai corroendo seu interior a cada instante. Será que seu pai o enviava para essas miss?es perigosas e inúteis esperando secretamente que algo terrível acontecesse, livrando-se do peso de um filho amaldi?oado? A ideia, por mais sombria e cruel que fosse, n?o parecia t?o absurda em sua mente perturbada. Afinal, aos olhos de muitos, ele era uma abomina??o.

  Kael cerrou os punhos com tanta for?a, que suas unhas cravaram a pele macia de suas palmas. Chutou uma pedra solta com uma for?a surpreendente, reduzindo-a apenas a pó com um impacto seco. A poeira levantou-se em uma nuvem efêmera.

  O jovem tentou novamente, elevando o olhar para encontrar o sol outonal entre as copas fechadas das árvores, a tempo de vê-lo se despedir no horizonte, pintando o céu melancólico em tons de rosa e laranja, como se o universo tentasse oferecer-lhe um último vislumbre de beleza fugaz antes que a escurid?o da noite engolisse tudo.

  _ Até o sol me abandona…

  Murmurou ele com um sorriso amargo curvado em seus lábios. A beleza efêmera do céu em contraste gritante com o caos tempestuoso em seu interior, a certeza sombria de que a noite impiedosa traria consigo mais desafios do que ele podia suportar. A revolta incandescente deu lugar a uma melancolia fria e profunda. Um vazio sombrio em seu peito, uma companhia constante e irritante como um parasita, um buraco negro que nunca se preenchia, uma ferida aberta que nunca cicatrizava, a mesma angústia lancinante que sentia desde que sua mente guardava as primeiras lembran?as.

  _ Se eu desaparecesse aqui para sempre, ninguém sequer notaria minha ausência…

  Kael sentia um aperto doloroso no cora??o, como se estivesse se tornando invisível aos olhos de seu próprio pai e de todos que viviam na grandiosa Faol, assim como essas miss?es inúteis que pareciam ser designadas para fazê-lo desaparecer. Algo dentro dele havia se partido em incontáveis peda?os, ou talvez nunca tivesse sido verdadeiramente inteiro, como se uma parte essencial de sua alma estivesse para sempre faltando.

  Seus olhos marejaram em lágrimas silenciosas, e sua voz embargou na garganta, prestes a confessar um segredo sombrio que lhe corroía a alma, a dor de anos de isolamento for?ado finalmente vindo à tona em um sussurro doloroso.

  _ Será... será que você tem vergonha de mim, pai? Porque todos me odeiam tanto?

  A pergunta amarga pairou no ar gélido da floresta, carregada do peso das palavras cruéis sussurradas pelos alde?es ignorantes e dos olhares frios que o perseguiam em cada esquina de sua existência. Ele observou com aten??o as feridas recentes em suas m?os pálidas cicatrizarem rapidamente diante de seus olhos, um lembrete constante de que ele era inerentemente diferente dos demais mortais, algo que os outros pareciam temer com uma ignorancia irracional.

  _ Há dois anos as coisas eram t?o diferentes entre nós... Mas tudo mudou em um instante! Desde aquele dia...

  Kael suspira enquanto continua a encarar suas próprias m?os.

  _ Maldito ritual de passagem! Aquela droga só me trouxe problemas.

  Na mente de Kael, lampejos rápidos: a m?o fria e forte de seu pai em seu ombro; a trilha íngreme da montanha, o ar rarefeito cortando seus pulm?es jovens; a expectativa tensa na véspera de seu vigésimo aniversário…

  Aquele evento fatídico havia marcado o início de sua crescente aliena??o, a distancia já existente entre ele e Conan se transformando em um abismo profundo e intransponível.

  A figura imponente de seu pai, o rosto severo sob o elmo de couro; as palavras solenes sobre a tradi??o da linhagem real dos Faolan, a ca?a ao lobo cinzento, o predador máximo…

  O brilho prateado da lua cheia na pelagem do lobo, os dentes afiados revelados em um rosnado; o medo frio que lhe paralisou os músculos por um instante, antes da fúria bestial tomar conta.

  _ Acho que eles têm raz?o em me odiar... Afinal, quem em s? consciência poderia amar um monstro como eu?

  Kael suspirou, o som carregado de uma resigna??o amarga, como se aceitasse o destino cruel que lhe fora imposto desde seu nascimento.

  As palavras gélidas de Astrid ecoaram em sua mente, venenosas e persistentes, encontrando terreno fértil em suas próprias inseguran?as profundas.

  Uma brisa fria e úmida a?oitava suas vestes escuras e cortava seu rosto, fazendo-o se encolher entre os ombros tensos. Mas o frio cortante do vento n?o era capaz de arrefecer a raiva incandescente ou afastar a tristeza lancinante que crescia em seu interior como uma erva daninha.

  Lágrimas silenciosas brotaram em seus olhos vermelhos e rolaram sem permiss?o pelo seu rosto pálido. Ele as limpou com a parte de trás da m?o fria, como se n?o tivesse tempo a perder com aquela fraqueza momentanea.

  _ Bom, melhor seguir em frente…

  Murmurou com um suspiro derrotado, afundando os dedos longos nos cabelos negros e rebeldes, tentando inutilmente arrancar as más lembran?as e a dor lancinante que lhe apertava o peito. Em seguida, enfiou as m?os de volta nos bolsos fundos do sobretudo negro.

  _ Aquele velho rabugento vai me fazer engolir sapos se eu voltar de m?os vazias. E eu odeio sapos!

  Mas a mera ideia de retornar para a sufocante Faol, para enfrentar o olhar frio e acusador de seu pai e o escárnio silencioso de Astrid e Thorian, fazia-o pensar que engolir uma dúzia de sapos viscosos n?o seria uma perspectiva t?o ruim afinal.

  Ao voltar para a dura realidade, ele se viu em uma grande clareira banhada pelo luar tênue, como se o próprio bosque tivesse se curvado em reverência para formar um santuário esquecido pelo tempo. Pedras colossais, erguendo-se como dedos de um gigante em dire??o ao céu, rodeavam o espa?o aberto em um círculo perfeito. Suas formas irregulares, marcadas pelas cicatrizes de séculos de vento e chuva impiedosos, pareciam esculturas brutas de um tempo imemorial, cobertas por um manto úmido de musgo aveludado e líquens pálidos. Eram as ruínas imponentes de um castelo há muito tempo engolido pelo abra?o da floresta.

  As rochas imponentes, em um tom melancólico de cinza-azulado sob a luz espectral da lua, pareciam arranhar o céu noturno, suas pontas imponentes perdendo-se nas volutas de névoa rastejante como dedos fantasmagóricos, como se guardassem um segredo ancestral e sombrio por eras incontáveis. O rapaz notou que as pedras estavam dispostas em um círculo perfeito, uma geometria primordial que sussurrava sobre rituais antigos e propósitos há muito esquecidos pela história. Era como se m?os ancestrais, imbuídas de magia e poder arcano, tivessem cuidadosamente posicionado cada monólito com um propósito sinistro. As rochas estavam adornadas com runas celtas cravadas profundamente na pedra, símbolos enigmáticos que dan?avam sob a luz trêmula do luar, e Kael as observava com crescente aten??o, sua mente inquieta tentando decifrar aquele código secreto gravado na pedra fria.

  _ Hmm, curioso…

  Murmurou Kael com um tom intrigado, uma mistura de cautela instintiva e um crescente fascínio sombrio borbulhando em seu peito, como se estivesse à beira de desvendar um mistério há muito tempo oculto nas profundezas do tempo.

  Ele se aproximou de uma das rochas imponentes, a ponta dos dedos pálidos deslizando pelas ranhuras profundas das runas entalhadas na pedra fria, acariciando cada curva e cada angulo com uma estranha familiaridade, como se lesse uma história esquecida gravada na própria alma da rocha.

  _ Que tipo de magia ancestral estaria adormecida dentro desses símbolos esquecidos? E qual o verdadeiro propósito deste círculo de pedras silencioso? Um palco para os jogos cruéis de deuses entediados?

  Pensou Kael, sua imagina??o correndo solta diante daquele local isolado e misterioso.

  _ Bom, n?o importa para que serviram esses velhos pedregulhos... O importante é que eu encontrei essa merda toda! Essa clareira isolada... essas runas rabiscadas... devem ser o suficiente para o poderoso Conan me liberar por alguns dias.

  O jovem já sentia o peso exaustivo de tantas jornadas for?adas fora dos limites de Faol, longe do conforto, mesmo que mínimo, de seu lar. Noites mal dormidas sob o céu aberto, a comida ruim e fria…

  _ Ou, quem sabe, talvez até ganhe um tapinha nas costas e um 'bom trabalho, garoto'. Sonhar n?o custa nada, né?

  Um sorriso melancólico e amargo curvou seus lábios ao pensar na improvável aprova??o de seu pai frio e distante.

  De repente, um arrepio gélido, mais intenso e cortante do que o frio da noite outonal, percorreu a espinha de Kael como uma descarga elétrica, interrompendo a breve paz de seus devaneios. A sensa??o opressora de estar sendo observado por olhos invisíveis tornou-se quase física, como se múltiplos pares de olhos famintos o devorassem das sombras que espreitavam ao redor, invisíveis e amea?adoras. Um pressentimento sombrio e sinistro o invadiu, gelando seu sangue nas veias.

  Intrigado, embora apreensivo, e com a adrenalina fria come?ando a circular em suas veias em um sinal de alerta, Kael agu?ou todos os seus sentidos sobrenaturalmente apurados, com a cautela instintiva de um predador experiente farejando a presen?a oculta da presa. Seus olhos vermelhos brilhavam na penumbra da clareira, vasculhando cada recanto da mata densa, buscando desesperadamente por um sinal preciso da presen?a de um observador oculto nas sombras.

  Um murmúrio distante, sibilante como um lamento fantasmagórico carregado pela brisa fria da noite, misturava-se ao farfalhar das folhas secas sob seus pés e ao crepitar distante de tochas escondidas, criando um coral espectral de almas penadas que parecia envolvê-lo em um sudário de medo.

  Kael se sentiu estranhamente exposto e vulnerável no centro daquele círculo ancestral de pedras imponentes, a sensa??o inquietante de estar em um altar de sacrifício profano se tornando quase tangível.

  Ent?o, das sombras densas e das árvores retorcidas da floresta que circundava a clareira, como espectros que ganhavam forma na névoa da noite, emergiram figuras encapuzadas. Seus mantos negros, feitos de um tecido pesado e gasto que parecia absorver toda a luz ao redor, tornando-os quase indistinguíveis da própria escurid?o da noite, moviam-se silenciosamente entre as árvores como fantasmas na penumbra. Seus rostos permaneciam imperscrutáveis, ocultos sob as dobras escuras e profundas de seus capuzes, mas a luz bruxuleante das tochas que portavam revelava sorrisos cruéis que denunciavam sua presen?a nefasta, como se saboreassem com antecipa??o sinistra um ritual macabro prestes a se desenrolar naquele local isolado.

  Intensificando o mistério opressor e a sensa??o iminente de uma amea?a, como se guardassem segredos profanos e inten??es terrivelmente sombrias nas profundezas de suas almas corrompidas.

  Kael avaliou a situa??o com a precis?o fria e calculista de um predador experiente farejando a presa. Os encapuzados moviam-se com uma agilidade surpreendente e silenciosa, deslizando pelas sombras da floresta como assassinos treinados, cada passo calculado para o efeito máximo, seus movimentos furtivos como os de serpentes na escurid?o. Seus mantos negros simplesmente se fundiram com a própria noite, tornando necessário seu número exato, mas Kael, com seus sentidos sobrenaturalmente agu?ados pela sua heran?a amaldi?oada, viu que o cercavam em um círculo difícil mortal que se apertava cada vez mais. Alguns deles empunhavam armas rústicas, mas letais: facas de pedra com laminas serrilhadas que brilhavam sinistramente na pouca luz das tochas, e bord?es de madeira retorcida entalhados com símbolos celtas ancestrais, prontos para serem usados ??em um sacrifício ritualístico profano. Eram doze figuras sombrias, e ele estava sozinho no centro do círculo de pedras, a presa ocorreu, como um cordeiro indefeso prestes a ser abatido por um bando de lobos famintos.

  Uma onda palpável de energia densa e sinistra emanava deles como uma névoa fria, a mesma que permeava os contos sombrios que sua m?e, Elora, costumava lhe contar antes de dormir, para alertá-lo dos perigos ocultos que espreitavam nas sombras deste mundo cruel. Kael sentiu um pressentimento avassalador de que algo terrivelmente antigo e poderoso estava prestes a acontecer ali, algo que faria seus pesadelos de infancia parecerem inofensivos contos de fadas.

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