Sylara
A dor veio antes da consciência. Cada músculo do meu corpo protestava ao menor movimento, enquanto meu peito subia e descia em respira??es rasgadas. A terra sob mim era úmida e fria, e as folhas quebradas exalavam um cheiro terroso que quase mascarava o ferro do meu próprio sangue.
Meu primeiro instinto foi abrir os olhos, mas n?o havia muito o que ver — escurid?o. N?o apenas a ausência de luz, mas algo mais profundo, quase palpável, como se a própria floresta carregasse um propósito sombrio.
"O que eu era agora?" pensei. Uma princesa sem coroa. Uma filha sem pai. Uma herdeira sem reino. Cada batida do meu cora??o sussurrava vingan?a, mas, ao meu redor, o silêncio parecia zombar de mim.
Antes que pudesse erguer meu corpo, o som de folhas esmagadas sob botas firmes cortou a quietude. A voz rouca que ouvira antes voltou, baixa, deliberada, como se falasse diretamente ao meu medo.
— Levante-se, antes que a floresta decida se livrar de você.
Com esfor?o, ergui a cabe?a, encontrando uma silhueta alta, envolta em sombras que pareciam moldar-se à sua presen?a. Ele estava a poucos passos, mas os olhos — intensos como fogo crepitando em ambar escuro — destacavam-se da penumbra.
— Quem... quem é você? — Minha voz falhou, mas mantive o olhar firme.
Ele n?o respondeu, mas algo brilhou em sua m?o: uma adaga antiga, delicadamente entalhada com símbolos que pareciam... familiares.
E foi naquele momento que eu senti. N?o apenas uma conex?o vaga, mas algo vivo dentro de mim, um calor estranho no peito que pulsava como uma for?a há muito esquecida.
Este n?o era um encontro casual, e, ao me levantar, soube que as perguntas que carregava sobre o trono eram apenas o come?o. O que quer que estivesse guardado naquela floresta, estava conectado ao sangue que corria em minhas veias.
—Quem eu sou n?o é importante, o importante é que você n?o deveria estar aqui... Humanos n?o entram aqui fazem séculos. — Consigo sentar-se no ch?o quando ele se agacha ficando a minha altura e segura meu queixo entre os dedos gelado dele. — A pergunta é. Quem é você?
— Meu nome é Sylara Elyndra Tharviel, filha do Aeltharion Tharviel o vigésimo sexto imperador.
— Eu n?o perguntei de quem você é filha e sim quem era você — Ele solta meu queixo, sinto o olhar dele pelo meu corpo, apesar de estar completamente escuro em volta. — Parece que seu povo a abandonou e jogou você aqui.
— Eu n?o fui abandonada.
— Tem certeza? Você foi jogada aqui e ainda diz que n?o foi abandonada? — Escuto a risada fria dele. — Ou você é burra ou muito ingênua... talvez os dois. — Ele levanta me puxando para cima.
— E quem é você? — Tento me manter de pé, mas estou com todos os ossos do meu corpo dolorido.
— Eu? Apenas vamos dizer que sou no momento te deixando viva. Agora você tem apenas duas escolhas An?re vim comigo e sobreviver ou ficar aqui e ser engolida pela floresta.
— An?re? — Nunca tinha ouvido essa palavra antes. Escuto ele rir suavemente.
— Um apelido... qual será sua escolha? — Olho para ele, consigo ver roxo reluzente nos olhos dele. Eu sabia que eu n?o tinha de fato uma escolha.
— Vou com você.
— ótima escolha An?re. — Ele envolta minha cintura com a m?o dele, sinto cheiro de metal antes uma fuma?a ser envolta de nós, quando dei por mim n?o estávamos mais na floresta e sim em um tipo de sala.
Meus olhos foram imediatamente atraídos pela luz pulsante dos cristais suspenso no ar, iluminando a sala em tons de lilás e dourado. Tudo parecia imenso, mas n?o excessivo. As paredes de preda negra, com veios brilhantes que pareciam respirar, transmitiam uma sensa??o de poder antigo, quase vivo.
No centro, uma poltrona de madeira escura se erguia como um trono improvisado, cercada por mapas e livros que exalavam mistério. As sombras ao redor dan?avam suavemente nas bordas da minha vis?o, como se guardassem segredos que só ele conhecia.
N?o era apenas uma sala; era algo além disso. Um espa?o que parecia parte dele, t?o enigmático e imponente quanto ele. E, pela primeira vez, sentir o ar ao meu redor pesar, como se estivesse preste a cruzar um limiar perigoso, um ponto sem volta.
— Onde estamos? — Tento conter o tremedor da minha voz.
— Gosto de chamar aqui de meu lugar secreto..., mas pode chamar de minha casa.
— Por que me trouxe aqui?
— Tantas perguntas que você tem. Se quer que eu deixasse você na floresta? Posso te deixar lá novamente. — Balan?o a cabe?a negando. — Foi o que imaginei. Você ficará aqui até eu achar um local mais seguro.
— Por que está me ajudando?
Ele ficou em silêncio por um momento, os olhos fixos em mim com um misto de curiosidade e resolu??o. Aquilo me irritava mais do que suas palavras — aquele olhar que parecia querer dissecar algo dentro de mim.
— N?o me considero generoso — ele disse finalmente, a voz baixa, quase reverberando no espa?o. — A floresta n?o é uma inimiga, mas também n?o é um lugar gentil. Se está vivo, há algo em você que lhe interessa mais do que só sua linhagem.
Seus olhos olham iluminando as sombras ao nosso redor, brilhando em tons que eu n?o consigo nomear. Recostou-se na poltrona, como se estivesse perfeitamente à vontade na minha presen?a, e isso me irritou mais.
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— N?o estou interessado em enigmas ou metáforas — retruquei, tentando manter uma firmeza na voz. — Se sabe algo sobre mim, sobre o que acontece em Tharviel, fale logo.
Ele mostrou um jeito quase imperceptível, como se divertisse com a minha confian?a.
— Você fala como quem deveria conhecer a própria história, mas tudo o que carrega s?o as cinzas do passado. Que vergonha.
Aquilo fez meu peito apertar. Quis retrucar, mas me contive. N?o era suficiente para atacar alguém como ele sem saber a extens?o de sua for?a... ou seus objetivos.
Meu olhar vagou pela sala, buscando qualquer trai??o que me ajudasse a entender quem, ou o quê, ele era. Foi ent?o que vi os símbolos nas paredes, gravados nas pedras negras. N?o os reconhecia exatamente, mas algo neles parecia pulsar dentro de mim, como se fizessem parte de um código perdido há muito tempo em minhas memórias.
— O que s?o esses históricos? — Perguntei, tentando ignorar o nó que se formava em minha garganta.
— Fragmentos de um passado que você deveria conhecer melhor do que ninguém — ele respondeu, sem tirar os olhos de mim. — Talvez esteja na hora de aprender.
Uma pulsa??o percorreu meu corpo, partindo do peito, como se algo dentro de mim finalmente despertasse. Eu soube, naquele instante, que aquele encontro n?o era casual. Seja o que fosse, ele sabia mais sobre mim e sobre a linhagem do que eu jamais imaginei.
E aquilo o tornava tanto uma amea?a quanto uma promessa.
Tento respirar fundo, mas consequências daquela minha queda está come?ando a mostrar. — Talvez... devesse come?ar com o seu nome. — Escuto ele rir baixo.
— T?o apressada para saber quem eu sou. Meu nome é Kaelorien, n?o tenho sobrenome, vivo o bastante para meu sobrenome n?o ser importante.
Quando ele fala seu nome, algo nele come?a a mudar. Sua presen?a já era imponente, mas ao deixar aquelas palavras caírem de seus lábios, houve uma transforma??o silenciosa. O ar ao seu redor parecia se curvar, e uma energia mais pesada, mais densa, se estreitava, como se sua simples pronúncia tivesse o poder de marcar o início de algo maior. Era como se o nome de Kaelorien carregasse um peso ainda mais profundo, ainda mais assustador.
Os chifres que emolduravam sua testa eram mais longos agora, mais presentes, como se cada detalhe de seu corpo fosse uma pe?a insubstituível de um quebra-cabe?a impossível de decifrar. Seu olhar, antes carregado de mistério, se aprofundou de maneira que meu cora??o se abriu. N?o consegui dizer se ele estava me observando com inten??o ou apenas como se me estudasse, como uma presa, ou talvez… algo ainda mais distante.
Eu respirava mais fundo, tentando manter minha postura, mas seus olhos roxos n?o deixavam espa?o para outra coisa além dele. Ele n?o era só belo, mas existia de uma maneira que transcende tudo o que eu conhe?o. Aquelas marcas em seus bra?os n?o estavam mais ocultas — brilhavam suavemente, cada símbolo quase dan?ando sob a luz. Seu corpo, esculpido em poder e tens?o, parecia representar tudo o que ele havia sido e tudo o que ainda seria.
Kaelorien n?o era só um homem, nem uma besta. Ele era algo acima disso. Algo que se move entre a sombra e a luz, algo imortal que simplesmente existia — poderoso, inatingível, e agora, definitivamente, impossível de ignorar.
Mas ali, com ele na minha frente, havia uma parte de mim que queria perguntar mais, queria entender o que se escondia por trás daqueles olhos penetrantes, aquela for?a inquietante. E, apesar de todos os meus desejos de resistência, parte de mim queria saber quem ele era.
— Um lembrete, An?re — ele come?ou rompendo o silêncio entre nós. — Você pensa que quer respostas. Mas nem todas as verdades venceram ser descobertas.
Algo no tom dele, entre ironia e uma seriedade quase cruel, fez meu est?mago revirar. Mantive meu queixo erguido, como se meu orgulho fosse suficiente para esconder o tremor em meus dedos.
— E por que eu confio em você para decidir isso por mim? — querendo, encarando-o.
Kaelorien inclinou levemente a cabe?a, os chifres capturando a luz pulsante dos cristais ao nosso redor. Ele abriu um sorriso que n?o alcan?ou os olhos e respondeu, com a paciência exasperante de alguém que já sabia o final de uma história.
— N?o precisa confiar em mim. Precisa apenas entender que carrega algo muito maior do que a sua vontade... ou a sua vingan?a.
Fiz men??o de replicar, mas ele se seguiu, caminhando em dire??o ao espelho estranho no fundo da sala. Sua superfície n?o reflete o ambiente como deveria. Pelo contrário, parecia mostrar fragmentos de algo que n?o compreendi, como memórias de partidas de outro mundo.
— Olhe — ele disse, apontando para o espelho.
— Por que eu...
— Apenas olhe — ele cortou, a voz mais firme.
A relutancia me percorreu como um arrepio frio, mas aproximei-me do espelho. Quando vi minha imagem, meus olhos — n?o dourados como o sol, mas como chamas vivas naquele reflexo — come?aram a brilhar.
N?o era eu. Pelo menos, n?o é uma pessoa que eu conhe?a.
O espelho parecia distorcer meu rosto, mostrar algo que eu poderia ser, ou algo que fora deixado para trás. Uma figura da linhagem perdida, marcada pela magia proibida que agora eu sentia pulsar dentro de mim, ainda que nunca tivesse acreditado que ela pudesse ser real.
Me afastei um passo, mas Kaelorien continua imóvel.
— Eles esperam por você — ele disse finalmente, a voz reverberando na sala como um eco. — E você n?o pode fugir disso.
— Quem... quem está me esperando? — Minha pergunta saiu mais fraca do que eu gostaria, meu peito ainda apertado pelo que tinha visto no espelho.
Kaelorien enviou uma mensagem. N?o é um sorriso amigável ou reconfortante, mas algo entre o ir?nico e o inevitável.
— Os Feéricos. Eles n?o esqueceram sua linhagem, An?re, por mais que você tenha.
Meu corpo enrijeceu. As histórias sobre os Feéricos eram sussurradas até mesmo dentro do palácio. Criaturas poderosas, imprevisíveis, com códigos e jogos que nenhum humano compreenderia completamente. A ideia de me aproximar deles cheios de um frio quase instintivo que percorreu minha espinha.
— E você acha que você simplesmente... confia que eles me ajudar?o? — querendo, tentando esconder o tremor em minha voz.
— N?o espero que confie neles — Kaelorien respondeu, um brilho sombrio iluminando seus olhos. — Mas preciso deles. Assim como eles precisam de você.
Antes que você pudesse protestar, ele protegeu uma das m?os. A sala ao nosso redor come?ou a vibrar com uma energia que n?o compreendi. As paredes desapareceram em segundos, devoradas pela penumbra da floresta. O ar mudou, denso e cheio de umidade, enquanto os sons de pássaros e vento ecoavam ao longo.
Estávamos na floresta sombria novamente, mas n?o no mesmo lugar. Algo nesse peda?o da floresta era diferente: um brilho estranho serpenteava entre as árvores, como fios de luz que emitiam sussurros. Era um som melódico e inquietante ao mesmo tempo, que mexia com algo dentro de mim.
— Bem-vinda — ele disse suavemente, seus chifres brilhando sob a luz esverdeada — à Terra dos Feéricos.
A vis?o à minha frente roubou minha capacidade de falar. As árvores abriram caminho para uma clareira onde uma luz mágica dan?ava no ar, envolvendo formas que remetem ao mesmo tempo humano e impossível. Criaturas de propor??es perfeitas, com pele cintilante e olhos que mencionam carregar o universo inteiro, observaram nossa chegada de longe.
Meu cora??o acelerou. Eu n?o sabia que eram aliados ou amea?as, mas havia algo claro: n?o havia como escapar. E, no fundo, uma parte de mim sabia que este lugar, t?o belo e perturbador quanto perigoso, seria a chave para desvendar tudo o que eu precisava saber.
— Espero que n?o se perca facilmente — Kaelorien murmurou enquanto continuava a andar. — Os Feéricos n?o têm paciência para indecisos.
Eu engoli em seco, obrigando meus pés a seguir. N?o era hora de hesitar.