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Capítulo 188 - O Cofre que Zomba dos Reis

  O interior do navio era um labirinto metálico, frio e sufocante, com corredores estreitos que pareciam se estender infinitamente.

  O som dos passos ecoava de forma suave, abafada, criando um ritmo solitário que se repetia a cada sala vazia que Ana explorava.

  Quase cem quartos estavam dispostos em fileiras rigorosamente simétricas.

  Cada porta automática deslizava para o lado com um sibilo seco, revelando ambientes quase idênticos:

  Espa?os pequenos, estéreis, frios.

  As camas eram simples, embutidas nas paredes, com colchonetes finos e cobertores que pareciam nunca ter sido usados. Os armários eram vazios, e as mesas de metal fixadas ao ch?o estavam intocadas, sem um arranh?o sequer.

  Mesmo nos dois quartos onde encontraram algumas poucas roupas dobradas com precis?o militar, o ambiente parecia mais um depósito do que um lar.

  As roupas eram simples — sem cor, sem identidade.

  Nenhuma foto.

  Nenhum enfeite.

  Nenhum tra?o de humanidade.

  Era como se o navio tivesse sido habitado por fantasmas eficientes, que n?o precisavam de nada além da fun??o para existir.

  Eles continuaram explorando.

  Encontraram múltiplos depósitos de materiais, com caixas empilhadas até o teto, etiquetadas com códigos numéricos e símbolos que Ana n?o se deu ao trabalho de decifrar de imediato.

  Havia também oficinas variadas, equipadas com ferramentas avan?adas, algumas das quais surpreendentemente mesmo Ana nunca tinha visto antes. As paredes eram de um branco asséptico, iluminadas por luzes embutidas que emitiam um brilho frio e constante.

  Refeitórios surgiam de tempos em tempos, grandes o suficiente para comportar dezenas de pessoas, mas igualmente vazios de personalidade. As mesas e cadeiras eram de um material metálico fosco, fixadas ao ch?o com perfei??o geométrica.

  Na dispensa, encontraram estoques de alimentos com validade longa: pacotes selados hermeticamente, líquidos em recipientes plásticos, e pastas nutritivas que pareciam mais apropriadas para uma pris?o do que para um navio sofisticado.

  — Um pequeno exército pode sobreviver ali por meses — murmurou Miguel, pegando uma das embalagens com curiosidade.

  — Anos, se racionarmos adequadamente — comentou Ana, também olhando a tabela nutricional de alguns itens. Com um suspiro e um franzir de testa, continuou. — Miguel, fa?a os que est?o esperando lá embaixo juntarem suprimentos pelas ruínas.

  — Suprimentos? Temo que n?o tenha sobrado muita coisa…

  Ana sorriu de canto, um daqueles sorrisos que n?o chegavam aos olhos.

  — Vá para a área industrial. A guerra n?o deve ter afetado completamente aquela regi?o — Ela passou os dedos pela superfície metálica da parede, distraída. — Tintas, decora??es, qualquer bobeira que deixe essas paredes menos ma?antes. Esse branco todo está me incomodando.

  Miguel ergueu uma sobrancelha, mas n?o contestou.

  — Como desejar, rainha. Imagino que também possa seguir com as prepara??es para a partida?

  — Sim, como conversamos — Ana acenou casualmente, os olhos ainda vagando pelo espa?o enquanto seguia para o próximo corredor. — Guarde os quartos de cima para quem é realmente importante e explique o que sabemos do local para todos.

  Fez uma pausa, girando o pingente entre os dedos, sentindo o doloroso calor..

  — Chame também os líderes, avise a todos que estarei no segundo refeitório em alguns minutos.

  Miguel assentiu e se afastou, seus passos ecoando até desaparecerem.

  Ana continuou caminhando lentamente. Seus bra?os abertos encostaram em ambos os lados do corredor, sentindo a fria textura do navio. Até que, inesperadamente, se deparou com um corredor sem saída, onde uma grande parede de a?o a esperava.

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  — Tem alguma coisa aqui…

  Parecia uma suposi??o tola.

  Apesar da cor diferente, era uma parede comum.

  Comum demais.

  E esse era o problema.

  “Algo que se destaca por ser ordinário em um lugar ainda mais ordinário.”

  Ana parou, inclinando levemente a cabe?a.

  Passou a palma da m?o sobre ela, o toque enviando um arrepio involuntário pelo bra?o.

  Um sorriso pregui?oso surgiu, o tipo de sorriso que dizia mais sobre a curiosidade dela do que sobre qualquer resposta que pudesse encontrar. Ela bateu levemente na parede com os nós dos dedos.

  Parecia sólida, só uma parede comum.

  Mas ela instintivamente sentia.

  Fechando o punho, socou a parede com toda sua for?a.

  Inclinou a cabe?a, ouvindo com mais aten??o.

  A vibra??o sutil que sentiu em retorno foi o suficiente para entender do que se tratava.

  — Um cofre… — murmurou, para ninguém em particular.

  N?o havia nenhum indício concreto que confirmasse seu pensamento. Mesmo o pingente em suas m?os, normalmente t?o reativo, estava inerte ao tentar for?ar qualquer a??o naquele local.

  Assim, sem pressa, passou o dedo ao longo da borda inferior da parede, procurando qualquer sinal de imperfei??o.

  N?o havia símbolos ocultos, nem um sutil zumbido da mana.

  Mas ela tinha cada vez mais certeza.

  Ent?o sacou sua espada com um movimento fluido, o metal escuro refletindo a luz pálida das lampadas embutidas no teto do corredor.

  Com um golpe moderado, acertou a lamina contra a parede.

  O impacto ecoou como um trov?o abafado.

  Nada.

  Nem um arranh?o.

  A parede nem sequer tremeu.

  O olhar de Ana se estreitou, e segurando a espada com mais firmeza, bateu com toda sua for?a.

  Nada.

  A parede permaneceu impassível, como se estivesse zombando dela.

  Seu maxilar se contraiu.

  — Se é assim…

  Mudou de abordagem, canalizando mana reversa para a lamina. A energia negra e distorcida serpenteava ao longo da espada, como rachaduras se espalhando por uma superfície de vidro. O ambiente ao redor parecia se tornar mais pesado, o ar ficando denso, quase sufocante.

  Ent?o grunhiu e desferiu um golpe brutal.

  O impacto reverberou em um estrondo seco, ecoando pelo corredor como um trov?o enclausurado. A vibra??o percorreu seus ossos, fazendo suas m?os doerem, mas a parede permaneceu impassível, desafiando sua for?a com uma resistência quase zombeteira.

  A maldita parede continuava intocada.

  Ana deu um passo para trás, respirando com dificuldade. O suor escorria pela têmpora, mas ela n?o se importava.

  Estava irritada.

  Mais do que isso — se sentia estava desafiada.

  Em meio ao acesso de frustra??o impulsiva, se inclinou e… mordeu a parede.

  O gosto de metal frio e sangue — provavelmente o de sua própria gengiva pela for?a que exercia — foi tudo o que conseguiu.

  Nada.

  Recuou, passando a língua nos dentes, sentindo o gosto t?o conhcecido na boca.

  Era ridículo.

  Mas o ridículo parecia mais tolerável do que a ideia de desistir.

  No entanto, por mais que quisesse continuar, destruir aquela maldita coisa, abrir um buraco com as próprias m?os, se fosse preciso, n?o era hora.

  Soltou um suspiro longo, o ar saindo de seus pulm?es como se estivesse carregando parte de sua frustra??o junto.

  Precisava de foco.

  Ainda havia muito a ser feito.

  Por sorte, Niala ainda estava com seu exército nas redondezas, garantindo que nenhuma outra parte oculta do inimigo tentasse uma ofensiva.

  Mas Ana sabia que essa “cortesia” n?o duraria para sempre.

  N?o tinham recursos suficientes para manter tantos soldados por muito tempo.

  A rainha se permitiu deslizar para o ch?o, sentando-se com as costas contra o suposto cofre.

  O frio do metal pressionando suas costas foi um lembrete da realidade.

  Estava exausta.

  E ali, no silêncio absoluto daquele corredor vazio, percebeu algo que ignorava.

  Tinha raiva.

  Raiva de tudo que construiu ter ruído.

  De todo o sangue derramado, das promessas quebradas, da fragilidade dos impérios que desmoronavam com um único sopro do destino.

  Mas, ao mesmo tempo...

  Sentia paz.

  Paz estranha. Inesperada.

  Estava livre novamente.

  Sem tronos, sem títulos, sem as amarras invisíveis que vêm com a responsabilidade do poder.

  Respirou fundo, fechando os olhos por um breve instante.

  Quando os abriu, tal paz já havia sido descartada, isolada em um canto de sua mente.

  Com um movimento ágil e despretensioso, levantou-se.

  — Eu volto para você… — sussurrou enquanto se afastava, olhando com um palpável ódio para a parede.

  Ent?o seguiu em dire??o ao encontro dos representantes convidados, onde o futuro estava esperando para ser decidido.

  Mas n?o conseguiu resistir.

  Após uma dúzia de passos, voltou correndo e chutou a parede com toda a for?a, o som metálico reverberando como uma batida de tambor.

  Logo caiu ent?o no ch?o, segurando a perna, grunhindo de dor.

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