Sinto sua dor, e minha dor se soma. Sinto sua solid?o, e minha solid?o se soma. Consegue ver isso?
Adanu viu o momento em que todos pressentiram sua aproxima??o. Mas foi Allenda que ficou mais alerta.
Estavam todos reunidos em volta da fogueira, conversando sobre o que havia acontecido no dia, quando tudo foi silenciando rapidamente.
Allenda, subitamente, se tornou muito alerta. Levantou a cabe?a e ficou observando o espa?o dentro da noite, para algum ponto no contorno indefinido da floresta. Ent?o olhou para Adanu e para Tenebe.
- Ele está... – a voz falhou. Ela baixou a cabe?a e se recomp?s. – é Uivo que se aproxima, n?o é? – perguntou para o pai.
Adanu, que tal como todos se mantinha alerta, confirmou.
- Sim, filha. Ele e Tenebe precisam conversar – revelou se levantando, permanecendo no mesmo lugar, ao ver que Tenebe se levantara e se preparava para ir até a floresta.
> N?o, Tenebe, n?o se encontre com ele longe de nós. Espere, por favor. Deixe-o vir, por favor...
Os minutos foram passando, até que perceberam que alguém ao longe se decidira a se aproximar. Os passos vinham firmes, apesar de suave, desejando se denunciar, ao mesmo tempo que procurava mostrar n?o ser uma amea?a que se arrastava na escurid?o.
> Venha Uivo, se aproxime – pediu com suavidade ao ver uma sombra parando fora do círculo de luz da fogueira.
Os que ainda estavam sentados se levantaram e se voltaram para o lugar onde ele estava. Havia expectativa, havia curiosidade e, Tenebe viu com tristeza, animosidade por parte de alguns poucos.
Ent?o olhou discretamente para Allenda. Os olhos dela brilhavam como fogo, e ela esfregava as m?os disfar?adamente nas coxas, sem conseguir tirar os olhos de Uivo.
Lentamente Uivo entrou na luz, inseguro e um tanto tímido, cuidadoso. Ele já fora avisado por Tenebe que a comitiva já tinha conhecimento do que lhe acontecia.
- Boa noite, para todos. Pe?o licen?a para me aproximar.
Todos ficaram silenciosos e surpresos, ao redor da fogueira, os olhos presos nele quando surgiu definitivamente na luz dan?ante.
Uivo sorriu, aquietando sua mente. Tenebe lhe sorriu, tal como Adanu e Ybynété. Mas, os outros, apenas se mantinham a observá-lo. Deu de ombros. O que poderia fazer?
Com um suspiro de esperan?a viu que a dor imensa que aprisionava Allenda havia diminuído em muito.
Sabia que notícias se espalharam como água sobre uma pedra rugosa, e que muito deveria ter sido aumentada, sobre ele e um dem?nio adormecido. Que fosse acontecer o que deveria acontecer.
Enquanto aguardava Uivo viu que o sondavam, e viu o quanto a maioria estava tensa, a um instante de se poderar contra ele.
- Venha, aproxime-se Uivo – falou Adanu com preocupado carinho, quebrando o pesado silêncio, imprimindo uma voz tranquila e algo surpresa.
Uivo viu Adanu se tranquilizar, bem como sentiu que vários outros relaxavam. Mas havia outros que mantinham a guarda contra ele. N?o conseguiu evitar, e passou, mesmo que rapidamente, os olhos por Allenda, sentindo que seu cora??o se apertava um pouco mais.
Inspirou com cuidado.
- é verdade que está se transformando em um dem?nio? – Itanauara perguntou de chofre, os olhos fixos em Uivo, que a encarou com os olhos pesados. – Eu sinto um dem?nio dentro de você... – acusou. – E tenho certeza de que n?o sou a única a ver isso.
- Os conselhos est?o bem protegidos? – interveio Adanu apressado, vendo o olhar desnorteado de Uivo.
- Aqueles lados est?o limpos, e eles s?o mais que suficientes para se cuidarem – falou baixinho. – Eles n?o precisam mais de mim.
- E nós precisamos, dem?nio? – estocou Allenda com os olhos fixos em Uivo.
Allenda sentiu uma dor estranha invadindo-a quando Uivo parou os olhos nos seus, os ombros e os bra?os caídos, os olhos espantados e tristes observando-a, e mais ainda quando lhe sorriu, um sorriso magoado que sabia que ia ficar em sua mente para sempre.
- Eu, bem eu... Eu vim por um chamado e... – totalmente desconcertado pela recep??o de Allenda Uivo derrubou ainda mais os ombros, os olhos perdidos, sem ch?o. Por fim os levantou, uma dor indisfar?ada nublando seu rosto. – Apenas vim ver Tenebe e... Assim que conversar com Tenebe eu vou embora...
- Que bom que sua visita será rápida – estocou Allenda novamente, os olhos duros e um sorriso sádico no rosto.
Adanu sondou a filha, se perguntando quando ela iria superar a dor e o sentimento de trai??o ao ter visto Uivo e Elliara.
- Trai??o? – lembrou-se da conversa que tivera com a filha. – N?o há trai??o, filha. Ele tentava te esquecer. Lembra-se que ele te viu primeiro? A dor dele veio antes da sua. Se foi trai??o, a sua foi anterior.
- Foi trai??o... Eu nada sabia do que eu mesma sentia – sussurrou teimosa. - Estava tudo muito confuso. Se é como você e o humano dizem, ent?o ele já sabia o que sentia por mim, e resolveu me trair, esquecendo o que sentia...
Adanu baixou a cabe?a, lembrando do rosto vermelho e revoltado da filha, incapaz de ver a verdade. E agora esse ataque furioso, isolando ainda mais quem ajuda pedia, isolando ainda mais quem o seu próprio cora??o pedia.
Uivo se recomp?s e se endireitou, um sorriso triste envolvendo seu rosto.
- Recep??o estranha, a de vocês. S?o terras difíceis estas, e uma for?a a mais deveria ser bem-vinda, se fosse essa a minha inten??o.
- Sim, uma for?a a somar seria algo bom... Você se julga assim, dem?nio? – perguntou Itanauara visivelmente desconfortável. – Mas, estamos indo lutar contra dem?nios, sabia disso, dem?nio?
Uivo a observou por alguns segundos. N?o havia insinua??o de confronto, mas apenas de decep??o, de uma dor magoada.
- Eu... Fique tranquila, nobre Itanauara, apenas vim visitar meu pai. N?o vim para me juntar a vocês...
Tenebe, mais que depressa se adiantou até ele. Ainda se sentia um tanto zonzo com as viagens em sonhos que Itanauara o dopava, para poderem viajar mais rápido, carregado por Ybynété, mas estava lúcido o suficiente para saber tomar a temperatura de um encontro.
- Venha, venha meu filho! Me conte seus caminhos – pediu enquanto o conduzia um pouco além, para o limiar do círculo de luz da fogueira. – Temos que colocar algumas coisas em dia.
- N?o acham que est?o sendo muito... rudes? Ele é um dos nossos, e mostrou seu valor em inúmeras ocasi?es – Adanu repreendeu com a voz rouca e pesarosa, se sentando, tal como os outros.
- Eu n?o confio nele – falou Itanauara de olho em Uivo, que se mantinha quieto e pensativo um pouco distante, sentado ao lado de Tenebe sob uma seringueira. – Eu vejo algo ruim vindo dele. A verdade crua é que há uma parte dem?nio ali. E aposto como deve ser verdade que há um dem?nio que o segue. As notícias que chegam n?o foram criadas pelo vento.
- Concordo com a m?e-da-mata – sussurrou Allenda, os olhos baixos, presos na terra.
Adanu a observou por alguns instantes, medindo o lamento que acompanhava suas palavras.
- Ele é apenas diferente – falou Adanu com a voz tranquila e pensativa. – E ele está num momento extremamente confuso, e é agora que os que se preocupam com ele deveriam... dar-lhe apoio, dar-lhe for?as, dizer sobre esperan?as, ajudá-lo na luta que ele trava sozinho – falou olhando de soslaio para a filha, que baixou a fronde, mostrando sinais de vergonha.
Em silêncio se lembrou da conversa com Tenebe, e da terrível estória de Uivo e de seus pais.
- é óbvio que alguns boatos s?o descabidos – falou Ybytu. – Mas tem outros que parecem lógicos para... para um dem?nio. Você confirmou os boatos que d?o conta de que ele enlouqueceu e atacou um comandante, seu próprio comandante; que conta que ele atacou um lobisomem no caminho e que quase matou alguns do grupo de Danbara? E dos boatos de que destruiu um enorme grupo de sentinelas thianahus com apenas uma passada e que dizimou uma triga de on?as e enlouqueceu alguns caiporas, e ainda que se aliou aos terríveis juruparináhs para subir as montanhas?
- Boatos... – sussurrou Adanu. – Alguns s?o verdade, outros n?o. Quanto a ele ter enlouquecido e matado o seu comandante, isso n?o é verdade. Ao que parece seu comandante tinha ciúmes do poder, e fez de tudo para matar Uivo que n?o se submetia, e acabou por matar RelvaDeLuz, uma m?e-da-mata, que tentou ajudar Uivo. Isso além de estar sob investiga??o se o comandante foi tocado por algum dem?nio para tentar matar Uivo. Vá lá saber quantos mais boatos s?o verdades... Pedras que se tornam montanhas, rios que tornam mares, heróis em deuses, deuses em seres rotos e perdidos... Onde a verdade, onde a medida certa? Boatos! N?o devemos julgar alguém por boatos. Eu o vi, vocês o viram, em várias ocasi?es. Ele lutou com determina??o por coisas que até a nós deveria ser importante. Realmente, ele é um nefelin um pouco diferente, n?o é mesmo, Itanauara? E ele realmente é uma uni?o de... de tipos, digamos, n?o muito comuns – disse Adanu.
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- De tipos? – quis saber Allenda, totalmente alerta.
Adanu a encarou pensativo. Ent?o lentamente baixou os olhos para o ch?o e tocou com carinho a terra.
- Que tipos vê? – perguntou.
- Eu sinto dem?nio... – disse Allenda olhando para o pai. – Mas vejo um outro tipo, diferente, que n?o consigo definir direito. é um puma, mas n?o como os nossos...
- Dem?nio também senti – concordou DenteDeAlho. - E esse outro, tal como você, também n?o consegui definir. Pessoal... – falou pedindo aten??o, - sabem, eu fico intrigado com ele, mas n?o preocupado. O que quer que seja a outra parte que lhe deu origem, noto uma nobreza imponente e sadia.
- Pode ser, pode ser! – cismou Allenda, os olhos abatidos postos no jovem Uivo, abrigado do sereno sob uma árvore frondosa em companhia do pai. – Mas confesso que o dem?nio que há nele me preocupa. Será que o velho sabe, será que sente essa parcela dem?nio?
- Tenebe? – Adanu falou cismando, observando o velho sentado ao lado de Uivo. – Claro que sim! Ele cuida dele desde que era curumim... E, observando-o, observando como trata o jovem, como o respeita, me sinto tranquilo. Tenebe é um bom avaliador de caráter...
- Você sabe da estória dele, n?o sabe? – reconheceu Allenda curiosa. – Você sabe sobre ele. Você viu isso nas pedras? Qual a estória dele?
Adanu sorriu para a filha, admirando com que beleza a esperan?a sabia se mostrar.
- Sabem, esse dem?nio que é Uivo já havia se mostrado antes, muito antes. Lembra-se do juguena? Também se lembra do juruparináh que a atacou, filha?
Allenda abriu os olhos, encarando o pai.
- Foi assim que ele matou o juruparináh?
- Sabem, desde aquele dia fiquei intrigado, e me foquei na espécie de nevoa que vi envolvendo Uivo naquele dia. Achei que fosse ilus?o, mas depois vi que n?o era isso. Eu sentia algo diferente nele, e desconfiei que devia ser alguma coisa de dem?nio. E ele nem sabia. Ele o trouxe n?o para se proteger, mas proteger você, filha... Eu vi o desespero dele, o medo dele quando julgou que você poderia estar em perigo. Ent?o, sim, se querem perguntar. Tenho reservas quanto a ele, mas confio nele, porque ele já se mostrou antes.
- Que tipos de pais ele tem? – Allenda perguntou após um longo silêncio do grupo, lembrando-se com remorso como ele se mostrava sempre preocupado com sua seguran?a.
- De tipos que vivem sobre montanhas de gelo onde vivem os dem?nios, e de tipos que vivem ocultos nas sombras, por dela fazerem parte.
- Entendo... – cismou Allenda, os olhos postos na árvore. – Ent?o um deles n?o é dessas terras... Me diz, Uivo é fruto de estupro?
Adanu olhou longamente para a filha, os olhos gentis, um sorriso ingênuo bailando no rosto.
- De forma alguma. Esse jovem é fruto de seres nobres; essa é a origem dele. Sobre as altas montanhas há uma ra?a de seres belos e poderosos, chamados pumayacayas.
- Pumayacayas. ... Parentes de pumas, n?o?
- Acho que sim... Apesar de serem algo parecidos, s?o muito diferentes. O pumayacaya é um ser parecido com nossa on?a, mas de pelagem marrom claro e rosto nobre, parecido com o dos homens, segundo Tenebe – os olhos subindo para olhar a filha. - é ele esse nefelin estranho, que é ainda mais estranho quando se sabe que sua m?e era uma dem?nio.
Allenda ficou olhando Adanu, a compreens?o brilhando nos olhos.
> Sim, ele n?o é um pumayacaya, mas um pumacaya, porque tem uma parte dele que é dem?nio... E foi concebido em amor.
Allenda tirou os olhos de Adanu e os postou novamente em Uivo, que se mantinha ouvindo Tenebe. Seu cora??o doeu ao ver os gestos dele, que se mostravam tristes e pesados.
- Ent?o, de acordo com os boatos, foi por isso que o dem?nio estava, está atrás dele. Ele tem uma fraqueza, uma porta de entrada... é um pumayacaya escuro... – atalhou Itanauara.
- Essa é uma verdade! O dem?nio deve ter sentido o cheiro, mas n?o sabia de tudo. Ele é mais que isso.
- Quem é esse dem?nio com o qual Uivo luta? – quis saber Allenda.
- Parece que é um dem?nio muito velho... – suspirou. – Deve estar querendo energia, acho – desconversou.
- Essa mistura absurda de pessoas trouxe muita confus?o, e o que seria for?a se tornou fraqueza, desnorteamento. N?o confio nele – insistiu Itanauara sob os olhares de apoio dos outros, com exce??o de Adanu, DenteDeAlho e Ybynété.
Allenda mantinha os olhos distantes, postos em Uivo e Tenebe na borda da luz.
- E os pais... Nunca se falou sobre eles... Ainda est?o por aqui? – quis saber Immecole.
- Foram mortos por um grande sombra, segundo contou Tenebe.
- Sei... E por que Uivo foi poupado? – perguntou Ybytu.
- Porque a m?e o protegeu num ninho de cascavéis. As cobras o mantiveram fora da aten??o do dem?nio. Quando o dem?nio se foi as cobras o mostraram... E um humano o tomou.
- As cobras ent?o têm poder sobre os dem?nios? Elas podem ocultar coisas deles? – perguntou Ybynété curioso sobre o que Adanu dissera.
- N?o, isso n?o parece ser verdade. O dem?nio n?o sabia dele. As cobras apenas levantaram uma leve penugem sobre ele, que em nada ajudaria se ele soubesse de sua existência.
- Tenebe foi o humano, n?o foi? – perguntou Allenda mantendo os olhos nos dois ainda sentados sob a árvore.
- Sim, foi ele! – confirmou Adanu. – Foi ele quem o salvou.
- Como sabe da história dele, Adanu? Foi Tenebe quem lhe contou?
- Sim, Dana-dana. Tenebe me confidenciou isso há pouco tempo, quando os boatos se tornaram muito pesados.
- Você confia nele, Adanu? Confia mesmo? – perguntou Allenda fixando os olhos no pai.
Adanu deu um sorriso pensativo, os olhos procurando o amigo e seu puma.
- Acha que ele poderia ser contra nós? – perguntou Itanauara. - Ele tem um dem?nio como parte de sua alma...
- A m?e dele era, e se saiu muito bem. Sim, eu confio nele!
- O deixará seguir conosco, Adanu? – quis saber Immecole.
- Antes de partirmos, mesmo desconfiando, naqueles dias, o que ele poderia ser, eu o convidei para se juntar a nós, e ainda mantenho meu convite – revelou Adanu, para perplexidade de todos.
- E ele n?o quis se juntar a nós? – perguntou Ybynété.
- N?o, n?o quis. Havia muita dor nele – falou, passando os olhos rapidamente por Allenda, que baixou a cabe?a.
- Dá para notar que ele n?o controla o dem?nio. Ele n?o confia em si mesmo, Adanu – contestou Allenda se esfor?ando em se refazer de toda a dor que embalava. – Uma coisa é compreendê-lo, outra é conviver com alguém t?o instável.
- Ele vai com a gente? – perguntou Ybynété com o rosto tranquilo.
- As coisas mudaram um pouco, n?o? – sorriu pesaroso. – Ent?o, n?o, ele n?o irá conosco, ao menos por enquanto – revelou Adanu. - A maior batalha que ele trava, como Allenda mesma viu, é com ele mesmo. Ele sabe disso. Tenho certeza de que ele saberá se controlar. Ent?o, quem sabe, quando ele se tornar quem nasceu para ser, ele retorne.
- Dependendo muito do que ele se tornar... – falou Itanauara. - Sabe o nome dos pais dele?
- N?o se sabe, e duvido que saibamos. Essa informa??o deve ser somente do dem?nio que o espreita, e ele n?o os dará. Nomes tem mais poder que simples palavras... Ele o quer fraco!
A conversa parou, todos olhando para Uivo. Ele se levantara e parecia se despedir de Tenebe.
Com um pequeno movimento ele se virou e cumprimentou a todos, voltando-se para a floresta.
- Fico pensando se deveríamos deixá-lo ir embora. Ninguém sabe o que ele pode se decidir a ser – falou Allenda, os olhos presos no nefelin que se perdia no interior escuro da mata, um fio grosso de dor empapando sua alma.
- Também penso assim. A pena é que essa é uma luta em que teríamos como ajudar – sussurrou Adanu.
- Eu n?o queria... Eu... – Allenda ficou quieta, os olhos perdidos, vendo Tenebe tomar a dire??o do grupo.
De súbito se levantou depressa.
Tenebe, que voltava cabisbaixo para junto da comitiva, parou, se virando para ver Allenda que corria no encal?o de Uivo, um sorriso pendurado no rosto, o cora??o batendo forte, rezando para que ela o alcan?asse.
Devagar Tenebe se aproximou e se sentou com os outros, os olhos fixos na franja da floresta.
O silêncio imperava ali, até que viram Allenda surgir da floresta, se aproximando lentamente em passos desanimados.
- Ele se foi – sussurrou assim que se aproximou. – N?o consegui alcan?á-lo.
- Que pena – suspirou o curupira. – Teria sido muito bom para ele - sussurrou, vendo a filha sentar-se novamente, uma imensa tristeza toldando sua face.
- Novidades sobre o puma? – perguntou Itanauara, os olhos fixos no velho.
Tenebe a observou com cuidado, e sorriu por fim.
- Sim, como sempre há novidades, sobre tudo o que vive. Mas, nada que deva preocupá-la... – sorriu novamente.
- Você é duvidoso para avaliar isso, n?o é mesmo? – sorriu ela de volta.
- Tanto quanto qualquer um de vocês...
- Sim, como todos nós... – interveio depressa Adanu. - Ele ainda está buscando o dele. Quem sabe o que cada um de nós pode se tornar ao final do dia? E quanto ao dem?nio que o segue, ele lhe disse por quê? Sim, Tenebe, eu já contei para todos aqui. Eles sabem da estória de Uivo.
Tenebe suspirou, passando os olhos por todos à beira do fogo. Ficou triste pelo que viu.
- é o av? dele, e ele parece que espera para matá-lo, como quis matar sua própria filha.
A express?o de todos mostrou o quanto aquela informa??o era estranha e surpreendente.
O silêncio se fez por algum tempo.
- E ele está sozinho – lamentou Ybynété, após ter se virado para a floresta, uma dor exposta na voz e no rosto enquanto mirava triste o fogo. – Ele é nosso amigo, e está sozinho – lamentou.
- Como, como assim? O dem?nio é o av? dele, e está tentando matá-lo? – se assustou Allenda.
- Sim... Parece que ele estava espreitando os pais para matá-los, quando o velho dem?nio apareceu. Aí, o av? ficou assistindo a tudo enquanto o dem?nio os matava.
Um silêncio espesso caiu sobre todos, ao ver o que pesava sobre Uivo.
Adanu observou com cuidado Allenda, e viu o esfor?o que ela fazia para suprimir a dor que a atingia ao ver a falha que cometera com Uivo. E essa dor n?o era só de Allenda.
- Pois é... Ato de dem?nio. Por isso acho que n?o devemos desejar sua companhia entre nós – refor?ou Itanauara, os olhos postos em Allenda e Adanu.
- O que ele está fazendo por esses lados? – perguntou Allenda em voz baixa. – Ele respondeu muito rápido ao chamado.
- Procurando o dem?nio, ca?ando os thianahus... – Tenebe revelou.
- Acreditando que nos protege? Por quê? – Adanu interrompeu.
- Acredito que sim, Adanu. Parece que o dem?nio pensa que somos amigos de Uivo...
Um mal-estar se instalou por todo o acampamento.
- Você contou tudo para ele? – quis saber Adanu.
- Sim, tudo...
- E como ele reagiu?
Tenebe encheu o peito e deixou o ar escapar bem devagarzinho.
- No come?o ficou enojado de si mesmo, eu senti. Mas, depois, assimilou isso. Ele disse que agora já estava se acostumando com perdas e solid?o... Espero que encontre algo que lhe mostre que n?o precisa ser assim.
- Ou alguém – Allenda suspirou baixinho. Havia tanta dor e abandono ali que todos baixaram a cabe?a.
Adanu ficou cismando o que poderia fazer por Allenda. A cabe?a dela estava caída para frente, desnorteada.
- Bem, meus amigos – Adanu chamou a aten??o de todos, a voz meio arranhada e rouca, - já descansamos o suficiente e já nos restabelecemos. Caminhamos muito, mas devemos prosseguir – falou se levantando. - Allenda, a fogueira. Os outros, apaguem todos os nossos rastros.
Allenda, com um pequeno movimento, puxou as chamas para si enquanto Itanauara, com um gesto simples, fez nascer touceiras de mato sobre os paus queimados.
Em pouco tempo nada mais havia ali que pudesse denunciá-los, nem mesmo uma grama pisada ou um cheiro abandonado.
Adanu sentiu a m?o de Itanauara em seu ombro.
- Ela vai aguentar, Adanu – tentou consolar, vendo Adanu olhar disfar?adamente para a filha que mirava abandonada a floresta onde um dem?nio rondava, lágrimas de fogo disfar?adas no rosto que ela rapidamente limpava com as costas da m?o. Adanu gemeu baixinho, vendo como ela apertava o cora??o. Ent?o Itanauara o viu suspirar dolorido quando ela se voltou para o acampamento se preparando para avan?ar com a comitiva.
- Tomara, Itanauara, tomara... Vamos embora ent?o – falou se poderando.
Quando Tenebe viu Itanauara se aproximando come?ou a levantar a m?o, sinalizando que n?o precisava ser dopado. Mas, ao ver o sorriso jocoso de Itanauara, soube que esse era um prazer a que ela se reservava.
Sorriu, quando o torpor o invadiu.